Edição Europa

2022 Número 1

Cinema

Do abandono

e do medo

Ninguém sofre com a mágoa do outro, era mais ou menos, o que dizia Wittgenstein, aludindo à intransferível dor alheia.

Isto não significa que não podemos condoermos do pesar e dos sofrimentos do próximo, entendendo que o consolo, a ternura, a compressão, a misericórdia, constituem o único que podemos oferecer a quem sofre. Participamos na dor alheia, e tornamo-la nossa voluntariamente. O medo, por outro lado, assalta-nos, inunda-nos e costuma acontecer que a nossa vontade não consegue impedir que sucumbamos perante ele.

O século passado, e o que vai do atual, não convidam ao otimismo.

Voltar a fazer o inventário dos acontecimentos nos quais a violência e a barbárie têm feito tábua rasa do que a Humanidade tem construído desde tempos imemoráveis, para tornar possível a convivência entre os homens. De Noruega a Israel; de Síria a México; de Paquistão a Paris, por todo lado e em nome de distintas crenças e prejuízos, mãos homicidas semeiam a morte e o terror entre as pessoas indefensas. Entretanto, os exércitos, regulares e irregulares, martirizam à população civil do Oriente Próximo em virtude de estratégias governamentais inconfessáveis, ou demenciais fundamentalismos. Em outras latitudes, em tempos distantes e próximos, a Razão de Estado tem-se imposto, a sangue e fogo, condenando a nações inteiras à miséria material e cultural, situação que perdura mais além do tolerável.

Como é possível que o mal radical impere, mantenha-se no tempo e continue a sua expansão pelo mundo?

Como não se sentir atraído ante a iminência de um perigo desconhecido, cuja irrupção pode destruir a nossa cotidiana existência?

Alejandro Trejo e Pablo Krögh, como D. Tirso e Martínez.

 “Mal e medo são irmãos Siameses”, comenta Zigmunt Bauman, e prossegue: “…é impossível encontrar-se a si mesmo sem se encontrar, ao mesmo tempo, com o outro.

A pregunta, o que é o mal? – afirma Bauman, é incontestável, porque o que tendemos a qualificar de “mau” ou “malvado”, é a classe de elemento ou facto negativo que não podemos compreender nem sequer expressar com claridade e ainda menos explicar satisfatoriamente. Chamamos “mal” a aquilo que desafia e destrói essa inteligibilidade que permite que o mundo seja habitável. (2)

Contra a violência nada pode, nem o mais sofisticado discurso nem o mais estruturado argumento. Opor-se ao mal radical é um assunto eminentemente prático, cuja primeira e muito prioritária ação orienta-se a superar a paralises que gera o medo.

“O horror e a maldade não se refutam. Contra a violência, a crueldade e a barbárie, necessitamos mais coragem que fundamentos. E respeito de nós próprios, precisamos menos fundamentos que exigência e fidelidade… fidelidade ao que a humanidade tem feito de nós”. (3)

(1) Zigmunt Bauman, Miedo Liquido, a sociedade contemporânea e os seus temores, p . 6. Paidos, Buenos Aires, 2008.

(2)  Ibidem

(3) André Comte-Sponville, Apresentação da Philosophie, p.25 Albin Michel, Paris, 2008

Gabriel Salinas / Sociólogo. Doutor em Ciências Sociais da Université Libre de Bruxelles, Bélgica. Estudou o doutorado em filosofia na Universidade do Chile. Colaborador na APCH (Associação Chilena de Psicanálises).

Deixe um comentário