Edición Europa

2022 número 1

Audiovisual

Emilia

IDENTIDADE DE MENINA

Assim nos chega Emília: a festa dos oito anos, a caixinha do sumo, a discussão dos pais, a alienação do drama familiar pela entrega à dança. Quem é Emília? É essa que dança para não ver o mundo ruir. Mas algo mudou. A avó que tanto acreditava nela morreu, ditando o fim da sua infância e chamando-a a ser adulta, a deixar a pergunta “Quem sou?” e passar à pergunta “O que quero fazer?”

A série propõe-se fazer uma crítica ao nosso tempo, o rápido, o imediato, o catalogável. A identidade é um flash, “comparar-se em tempo real,” ser o que cabe num retrato, o que chega a mais pessoas e lhes diz, sou isto, gosta de mim, compra-me. Mas a identidade diz respeito ao verdadeiro, ao essencial e o que aqui se mostra é a confusão entre identidade e ideal, identidade e identificação, identidade e mercadoria. Quem se oferece ao olhar não sabe quem vê, e quem olha não sabe o que vê. 

Ser visto, diz Emília, para a vida ter sentido. Olhar e ser olhado. Que estranho corpo que se faz só de um órgão. 

É quando Emília decide dançar que volta a ter corpo, deixa de haver solos, e passa a existir pelo menos um duo. A identidade faz-se na relação com os outros. Emília e Rosa são forçadas a olhar uma para a outra, e a responder à pergunta: “O que queres fazer com o teu sofrimento?”, “A que grupo pertences: aos que evitam o sofrimento, ou aos que o abraçam?” Sob o olhar sábio de dois homens bem diferentes, o que questiona e o quer transmitir algo -ainda em lugar mestre-, as duas são empurradas a uma resposta.

É disso que se trata Emília. Um retrato de uma identidade feminina, estilhaçado e reconstruído. E é aí que a série brilha, que nos comove, que torcemos por estas duas. Quando saem da sua dança a solo, de um feminino de comparação e competição, de um materno que é o do imposto, do sacrificial, e começam a mostrar-se, a falar, a levantar-se juntas do chão. A identidade feminina começa a construir-se. Porque mulher, não é uma foto, uma fórmula, um lugar onde se chega. Uma mulher é o processo, um tornar-se. Como seria ser mulher num mundo de amizade feminina? Em que se possa ter celulite, ser estranha, querer ou não querer ser mãe. Só então a identidade pode advir de uma escolha e não de uma imposição. Ser do campo da verdade e não do faz de conta. Que falta faz às mulheres, ser amadas por mulheres.

 

Emília (Filipa Amaro), RTP. 1era temporada de 6 capítulos, disponíveis para assistir na RTP Play.


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