Um sistema «surdo» pode dificultar o enraizamento ao ponto de se tornar esmagador.
Baseado em acontecimentos reais, Listen – que ganhou quatro prémios no Festival de Veneza – conta o drama de uma família de imigrantes portugueses em Inglaterra, cujos filhos são levados pelos serviços sociais por suspeita de abuso, e a epopeia que se segue enquanto tentam manter a sua família unida.
Ouvir, não só como cineasta mas também como mãe, parece urgente à cineasta portuguesa Ana Rocha, cuja estadia em Londres a levou a encontrar esta realidade. Quando se trata de imigrantes, quando se está sozinho numa multidão e, pior ainda, quando não se conhece a língua, a escuta torna-se vital. Parece essencial sentir-se como um simples estrangeiro e não como um extraterrestre.
Ao integrar numa cultura diferente, a língua é essencial, mas insuficiente. Muito mais é necessário. É essencial trabalhar arduamente para aprender a ler a cultura em que se está a chegar e esperar que os habitantes locais estejam interessados em compreender a cultura daqueles que acabaram de chegar. Para além das boas intenções, é necessário aprender a «ouvir» com o corpo e o coração.
Ouvir não chega se for apenas interpretar, a partir da nossa perspectiva cognitiva. Ouvir esse «outro», diferente, implica pôr em jogo a nossa capacidade de empatia, de sentir com esse outro, de olhar de onde olham e de perceber o que sentem e o que os move. Uma capacidade que, tendo um profundo conteúdo emocional, é também educada e treinada. Em suma, estamos a falar de um «ouvir» que requer uma educação emocional.
Tudo e mais alguma coisa, menos indiferença.
Paradoxalmente, em Listen, quem parece ouvir melhor é Lu, a filha com deficiência auditiva, interpretada pela também surda actriz da curta-metragem premiada com o Oscar The Silent Child, Maisie Sly, e a que parece surda, e talvez também cega, é o sistema social britânico, que avalia de forma implacável, seguindo a sua própria verdade absoluta: para ser um bom pai, nessa cultura, é preciso um mínimo de dinheiro.
Para Ana Rocha, o amor dos pais, mesmo na pobreza, é insubstituível, e o seu filme consegue questionar as crenças rígidas do sistema britânico. Pelo contrário, coloca-se a premissa oposta: sem ouvir da alma, não há forma de saltar sobre o abismo da pobreza, solidão, indiferença e desenraizamento.
Artigos sobre MIGRAÇÃO E DESENRAIZAMENTO:
Próximo: GOSTARIA QUE ESTIVESSE AQUI
A Trincheira Infinita: A FUGIR PARA DENTRO
Listen: ESCUTAR A PARTIR DA ALMA
Juicio a una zorra: HELENA NO ES DE TROYA
Terrinhas: GOSTAR DAS NOSSAS BATATAS
Margem: VIVER A MARGEM EM CONJUNTO
UMA CASA PLANETÁRIA
Conversando com… Gastón González Parra
CITAS: MIGRAÇÃO e DESENRAIZAMENTO
Editorial: A FRAGILIDADE DA SUBSISTÊNCIA