Um dos paradoxos desta era individualista é que desejamos ser únicos, mas ao mesmo tempo a diferença nos aterra; esquivamos e no pior dos casos, marginamos. Andrew Solomon, autor do livro “Longe da Árvore”, é gay e foi vítima da rejeição na própria pele durante a sua infância. “Vivemos em tempos de xenofobia”, afirma que pese a esta crise de empatia, a compaixão fortalece às famílias desde a sua célula e que “a intimidade, respeitando a diferença, fomenta a sua assimilação”.
É o que ele observou na maioria das mais de 300 famílias que entrevistou para o seu livro, com filhos radicalmente diferentes aos seus pais e mães. Compreender como superaram o medo à diferença e aprenderam a apreciar o grande valor dos seus filhos – surdos, autistas, esquizofrênicos, entre outros casos – pode-nos dar pautas de como fazer o mesmo com a nossa sociedade.
Sem cair no sensibilíssimo, os relatos tanto dos filhos como dos pais e mães estremecem. Descrevem com detalhe, às vezes agoniantes, os enormes obstáculos que enfrentam, mas ao mesmo tempo propõem a ideia central de que o que vemos como doença pode, muitas vezes ser também uma identidade. Permitem apreciar, por exemplo, a surdez não como uma deficiência, senão como una verdadeira cultura, rica em linguagem, modos de vida, entre outros e fazem ver com admiração o sentido de comunidade de numerosos grupos que oferecem a possibilidade de viver plenamente una identidade horizontal (isto é, uma identidade radicalmente diferente às dos seus pais).
É impossível não questionar o conceito de deficiência. Solomon cita o caso de Deborah, quem é cega de nascimento e para quem a falta de visão é uma característica tão irrelevante como o comprimento do seu cabelo e que não compreende o enorme alívio do seu marido vidente quando confirmaram que a sua filha não tinha nascido cega. Será que a definição de saúde é apenas um conceito e a “deficiência” uma tirania da maioria?
Após cada caso surge uma pergunta importante: Curar ou aceitar? Corrigir ou celebrar a diferença? Deve submeter-se uma criança recém-nascida a uma acondroplasia, (uma das causas do nanismo), ao doloroso tratamento de alargamento de ossos para ganhar uns quantos centímetros, ou é o entorno que deve aceitar às pessoas de baixa estatura? É o implante coclear a única via para que uma pessoa surda possa ter uma vida tão plena como a da uma pessoa ouvinte
Os exemplos de Solomon mostram que não há nenhuma resposta correta e que cada família vai decidir de acordo às suas convicções e possibilidades. A ciência avança na direção de curar e é evidente que ninguém quer ver o seu filho(a) sofrer. Ainda assim, inclusive entre os próprios afetados surge a pergunta sobre as consequências que teria para a riqueza humana se estas “culturas” se extinguissem. Um pai de uma criança com síndrome de Down admite que, se tivesse uma varinha mágica, curaria o seu filho, para que tivesse uma vida mais fácil. Embora o próprio pai adicione que a diversidade dos seres humanos faz que este mundo um lugar melhor e “se todas as pessoas com síndrome de Down fossem curadas, seria uma perda”.
Aliviar o sofrimento de maneira efetiva dependerá de se podemos diferençar de que forma a origem da dor tem de ver com uma doença do corpo/mente, ou se provém da falta de empatia e aceitação do entorno, ou uma combinação de ambos.
Insistir, por exemplo, em corrigir a diferença, quando curar não é uma opção pode ser, muitas vezes, cruel e não conduz a nada. Solomon lembra do doloroso período no qual ele próprio tentou “curar” o seu homossexualismo, empurrado pelo bullying que sofreu durante toda a sua infância, em circunstâncias nas quais o que se devia fazer era assumir a sua identidade gay. Claro exemplo de um modelo social de deficiência, onde o que há que curar não é uma doença senão os arraigados preconceitos sociais.
Noutros casos, a doença é real e clama por uma cura que não existe, pelo que se adere o estigma social das doenças mentais que impedem muitas vezes a intervenção precoce que facilitaria a inclusão. Solomon cita casos dramáticos de pessoas com esquizofrenia; as situações do extremo da sombra do autismo ou aquelas com deficiências múltiplas severas, que testemunham uma resiliência comovedora e um amor e admiração dos pais pelos seus filhos que traspassa qualquer barreira.
A realidade é complexa, mas onde seja que vejamos o “modelo doença” e o “modelo identidade”, ao fim do dia os testemunhos recolhidos neste livro provam que se pode acolher a diferença, qualquer que seja a sua origem. A chave parece estar em mudar as referências, para depois poder responder como a mãe de um garoto a quem lhe perguntam: “Como imaginas que seria Ben se fosse normal?”. “Bem – responde a mãe-, penso que ele é normal para si próprio”.
Descrição:
“Longe da Árvore”, de Andrew Solomon (Debate, 2014), reúne mais de 300 entrevistas realizadas a famílias com filhos com identidades radicalmente diferentes às dos seus mais e mães, os que têm aprendido a se quererem e apreciarem a diferença. É uma celebração do valor da diversidade humana e uma forma de chamar à inclusão na nossa sociedade.
Cada capítulo analisa uma condição de maneira exaustiva: surdez; nanismo; síndrome de Down; autismo; esquizofrenia; deficiência múltipla severa; crianças prodígio; filhos produto duma violação; filhos delinquentes; filhos transgénero.
Em julho de 2018 estreou-se o documentário do mesmo nome, dirigido por Rachel Dretzin, e coproduzido pelo autor Andrew Solomon.