Edição Europa

2022 Número 1

Literatura

Os adolescentes

Nós e

Há pouco mais de um quarto de século foi publicado o livro “La cause des adolescentes”, texto no qual Françoise Dolto consagrou as suas últimas energias; falecendo poucos dias despois de ter posto ponto final a seu manuscrito. Apesar da sua data, as suas páginas são de extrema vigência e lucidez, representando uma contribuição para os pais de hoje em dia.

Vendo que os seus filhos desenvolvem-se perfeitamente bem num lar convenientemente equipado de eletrodomésticos e outros frutos da moderna tecnologia, os seus progenitores, cada vez más ausentes, são muito propensos a dizer: “que cresçam sozinhos, eles precisam cada vez menos de nós”. Nas suas linhas, Dolto assinala que, a ausência física dos padres, estimula uma crescente presciência destes nos âmbitos dentro dos que evolucionam os seus filhos, e nos alerta acerca do empobrecimento da comunicação intergeracional que disto deriva.

São múltiplos os fatores determinantes desta situação e as suas interações, de alta complexidade. No entanto, pode-se afirmar que, quando os pais (ou os adultos em geral) abstêm-se de intervir verbalmente, para aconselhar, ou para trocar pontos de vista com os seus filhos, sobre as variadas condutas possíveis a adoptar na sociedade tal e como ela se apresenta, está-se a cometer um dos maiores erros.

O primeiro consiste em considerar o adolescente como um ser essencialmente determinado pela sua pertinência a um grupo etário (categorizado como adolescência). Esta ideia é consagrada pelo sentido comum e legitimada pelo léxico, que postula: “adolescência: idade que sucede à infância e que transcorre desde a puberdade até p completo desenvolvimento do organismo”. Embora, isto é um simplismo que privilegia a cronologia, a fisiologia, a anatomia ou o desenvolvimento cognitivo, em detrimento de uma compreensão integral do indivíduo. É uma confusão que reduz a antropologia à biologia.

A perspectiva de Dolto é outra. Para ela, os adolescentes são indivíduos imersos num sistema de relações de dependência, dentro do qual deverão desenvolver as ferramentas que precisam para construir as suas vidas.

“Um jovem abandona a adolescência quando a angústia dos seus pais deixa de ter efeitos inibitórios sobre ele”. Assim, Dolto planteia o problema central do adolescente: A SUA FALTA DE Autonomia.

Estamos aqui perante a dificuldade de compreender o que dependência significa.

Se bem, a dependência infantil e juvenil é um facto da causa, os seus efeitos inibitórios não são nem irreversíveis nem exclusivamente coercitivos.

Ao longo do texto, a autora argumenta que, a adolescência não é identificável rigorosamente a um período de vida, principal e decisivamente castrador, cujos efeitos deviam ser radicalmente anulados. Pelo contrário, a adolescência assemelha-se a um “caldo de cultivo” no qual tudo pode germinar, verdadeira manifestação vital na que Eros e tanatos se enfrentam às expensas do adolescente.

Não é esta uma disjuntiva existencial entre ‘opressão’ e ‘liberação’, senão uma difícil e, a menudo, dolorosa transição. Segundo Dolto, uma transição comparável à troca de carapaça das lagostas marinhas, troca pela qual ficam expostas por um tempo a todos os perigos.

Frágeis e vulneráveis, os adolescentes devem sobreviver e abrir-se caminho a uma vida adulta e autónoma, sem mais recursos que a pulsão da vida e aquilo que os adultos tenham podido transmitir-lhes, através de relações nas que a assimetria não é a menor das dificuldades.

Aqui encontramos o segundo dos erros anunciados anteriormente: que alguns adultos não assumem a função pedagógica que permite traspassar de una geração à seguinte, aquilo que tem contribuído a nos humanizar.

Este erro nutre-se de outra confusão: Identificar AUTORIDADE – entendida como atributo de quem possui um saber e é capaz de compartilhá-lo -, e AUTORITARISMO – entendido como modo de dominação para quem só considera a obediência mais irrestrita.

• Francoise Dolto, la Cause des adolescents; Éditions Robert Laffont, SA., Paris, 1988, p. 207. Versão em espanhol, ed. Seix Barral, disponível na web

Gabriel Salinas / Sociólogo. Doutor em Ciências Sociais de l’ Université Libre de Bruxelles, Bélgica. Estudo de doutoramento em filosofia na Universidade do Chile. Colaborador na APCH (Associação Chilena de Psicanálises).

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