“Viemos da noite para a noite e para a noite vamos”
Vicente Gerbasi, poeta venezuelano
Uma palavra crua e sonora que dói para pronunciar, desenraizante.
Denota o efeito e resultado do desenraizar uma planta, do transplante de alguém do seu local de origem, do seu ambiente, da sua casa, da sua educação, dos seus costumes, do seu «etos»: o conjunto de traços ou modos de comportamento que formam o carácter ou a identidade de uma pessoa ou de uma comunidade.
O desenraizamento é um sentimento de perda, um sentimento de afastamento que afeta a nossa identidade individual e coletiva. A angústia, o medo, a frustração, a violência e a solidão são sensações e experiências inerentes.
No início abrupto deste novo milénio, o desenraizamento tornou-se um dos problemas sociais mais graves, uma tragédia que envolve toda a humanidade, representada por milhões de vítimas da migração em massa e do deslocamento forçado. Vítimas em fuga de guerras, fome e doenças, exclusão e pobreza extrema.
Esta tragédia, criada pelos próprios seres humanos, requer para a sua solução uma verdadeira solidariedade, na qual a diversidade cultural ajuda a criar a consciência das necessidades mínimas de cada pessoa. Ao mesmo tempo, deve gerar o compromisso da comunidade internacional, para além dos limites territoriais dos Estados-nação, através de uma jurisdição de direitos globais e universais. E de um ponto de vista filosófico, reafirma valores superiores, através de um «etos» (costume e conduta) e uma ética mínima universal, consistente com o mundo da vida, o mundo que contém todos os atos culturais, sociais e individuais da nossa existência.
Os seres humanos, além de habitarem um espaço e tempo experiencial, possuem uma existência mental, pensante, coexistem no éter do significado, do sentido, imersos num mundo de representações, mitos, crenças, histórias, imagens, afetos, e hoje expandidos por novas tecnologias e um novo mundo: o ciberespaço e a realidade virtual.
Para além da separação dos nossos entes queridos e de termos de mudar os nossos hábitos e práticas, este desenraizamento produz a sensação de um mundo estranho e alheio que não podemos sentir como nosso, um mundo que viola as nossas vidas, uma espécie de distopia (anti-utopia, sociedade com características negativas), que nos oferece incerteza e na qual é impossível criarmos raízes. Simone Weil, a escritora francesa, já advertia que: «Estar enraizado é talvez a necessidade mais importante e menos reconhecida da alma humana. É uma das mais difíceis de definir».
Passando a uma filosofia terapêutica, mais preocupada com o bem-estar do que com a compreensão humana, como a proposta pelo filósofo americano Stanley Cavell – com base nas teorias do seu antecessor Wittgenstein – podemos considerar a filosofia como uma forma de reeducação para adultos. E assim reeducar os seres humanos na sua diversidade de identidades, costumes e culturas, para alcançar um consenso do que somos e um objetivo comum do que queremos ser.
A diversidade será sempre necessária dentro da globalidade, mas será um mundo mais enraizado no global, dentro de uma ética que tende para um consenso humanitário universal que permita criar raízes, transformando o desamparo e o exilio na possibilidade imunológica de uma Casa Planetária.
Artigos sobre MIGRAÇÃO E DESENRAIZAMENTO:
Próximo: GOSTARIA QUE ESTIVESSE AQUI
A Trincheira Infinita: A FUGIR PARA DENTRO
Listen: ESCUTAR A PARTIR DA ALMA
Julgamento de uma raposa: HELENA NÃO É DE TRÓIA
Terrinhas: GOSTAR DAS NOSSAS BATATAS
Margem: VIVER A MARGEM EM CONJUNTO
UMA CASA PLANETÁRIA
Conversando com… Gastón González Parra
CITAS: MIGRAÇÃO e DESENRAIZAMENTO
Editorial: A FRAGILIDADE DA SUBSISTÊNCIA